É na infância e adolescência que aprendemos como viver em sociedade. É com nossa família que aprendemos (ou deveríamos aprender), noções de respeito, solidariedade e amizade, além de outros valores éticos e morais. E é na escola que a maioria demonstra se os ensinamentos familiares foram aprendidos e absorvidos.
Com a desagregação e desestruturação familiar, houve a perda de valores e referências, dificultando o aprendizado da convivência, aumentando assim o número de crianças e adolescentes que vêm adotando posturas individualistas, anti-sociais e agressivas. São nossos jovens reproduzindo o que aprenderam.
A partir de 1990 começaram estudos sobre o comportamento agressivo entre estudantes, chamado de “bullying”, palavra inglesa sem sentido equivalente em português, mas que se refere a comportamentos como agressões, maus tratos, violência, exclusão, intimidação, humilhação, etc., que acontecem na escola entre os alunos.
Essas agressões, sempre intencionais e repetitivas, sem motivação, adotado por um ou mais estudantes contra outros estudantes, causando mágoa, angústia e intimidação das vítimas, pois estas têm dificuldade de se defenderem. As agressões podem ser físicas (bater, chutar, tomar objetos e pertences), verbais (apelidos, insultos, gozações, mentiras e fofocas) e sexuais (mensagens nas paredes de banheiros, comentários maliciosos), pressões para que os estudantes sejam discriminados e excluídos dos grupos sociais a que pertencem.
Os alunos mais propensos a praticarem o bullying são os que vêm de famílias desestruturadas ou das que há pouco relacionamento afetivo entre seus membros. São crianças e jovens que recebem de seus responsáveis pouca supervisão e exemplos de violência para solucionar conflitos. Na maioria das vezes, os agressores estão na mesma sala das vítimas, onde meninos agridem mais outros meninos, e as meninas são agredidas por ambos os sexos, sendo os meninos a maioria dos agressores. Esse perfil forma os alunos-autores, jovens propensos a perseguirem seus pares na escola e quando não aprendem a dividir o espaço da escola e da sociedade com todos, vêm a desenvolver comportamentos violentos, delinqüentes e criminosos.
Os alunos-alvo, as vítimas do “bullying”, são as que sofrem devido a comportamentos agressivos de outros e que não possuem habilidade para se defenderem, reagirem e coibirem os atos de violência. Geralmente são pouco sociáveis, inseguros, passivos, quietos, possuem poucos amigos e baixa autoestima. São crianças e adolescentes que se sentem infelizes, têm medo e não têm iniciativa de procurar ajuda. Acabam desesperançados e angustiados, pois a maioria dos adultos só faz intervenções críticas, sem resolver o problema – e a maioria espera que os professores interfiram nas situações de agressão na sala de aula. Geralmente não relatam as agressões aos professores e familiares, por medo, insegurança e alguns até por acreditarem que são merecedores dos maus tratos sofridos. Há muitos casos de depressão que pode chegar ao suicídio, ou atos de violência extrema, como o assassinato dos agressores e das pessoas que para o aluno-alvo deveriam defendê-lo, como ocorreu nos EUA, na universidade de Columbine e em 2004 em Taiúva, pequena cidade paulista, aqui no Brasil.
Além dos alunos-autores e dos alunos-alvo, há um terceiro grupo de envolvidos, as testemunhas, que assistem a violência, algumas vezes riem junto, ou simplesmente se calam por temerem se tornarem as próximas vítimas. Ao assistirem situações de violência, esses alunos acabam acreditando que o uso de comportamentos agressivos é o melhor caminho para alcançar a popularidade, o poder, o controle.
Os locais onde mais acontece o “bullying” são na própria sala de aula, na hora do recreio, no portão de acesso e nas imediações da escola, podendo ocorrer também nos ônibus escolares.
CYBERBULLYINGCyberbullying é uma prática que envolve o uso de tecnologias de informação e comunicação, como computadores e celulares, para dar apoio a comportamentos hostis A diferença principal entre o bullying e o cyberbullying é que, no virtual, o anonimato acoberta o agressor – isso apenas num primeiro momento, pois uma investigação judicial permite a identificação posterior.
A versão virtual do problema acontece principalmente por meio de redes sociais, torpedos, blogs e comunicadores instantâneos como o MSN. Com perfis falsos ou anônimos, o agressor espalha boatos maldosos com o objetivo explícito de prejudicar ou/e humilhar.
O QUE PODEMOS FAZER?O bullying não é inofensivo e para controlar e reduzir esses atos de violência nas escolas, educadores e profissionais voltados para a área da educação devem desenvolver intervenções imediatas, demonstrando para os autores do bullying que esse tipo de comportamento não será mais tolerado.
Integrar ações para a construção de um ambiente escolar seguro e saudável são urgentes para mudanças significativas na vida dos alunos, sejam eles autores, vítimas e demais envolvidos.
Muitos programas e projetos já vêm sendo desenvolvidos nas escolas, com resultados positivos, ensinando aos autores que esse comportamento não é socialmente aceito, e às crianças e adolescentes vitimadas a reagirem e se defenderem, buscando ajuda.
As campanhas maciças poderão trazer um quadro de mudança cultural, destruindo mitos como a crença de comportamentos agressivos serem fatos normais entre crianças e adolescentes.
Existe a necessidade de oferecer aos estudantes que são autores do bullying o mesmo nível de atenção a ser prestado pelos alunos-alvo, dando a ambos o direito de aprenderem de forma amigável.
Espera-se com essas campanhas e programas garantir aos jovens o direito de uma escola segura, onde haja amizade, solidariedade e respeito às características individuais de cada um dos alunos.
E A FAMÍLIA? Quando um familiar é chamado na escola para ser informado de uma situação de violência que reflete o bullying, muitas vezes a reação é a de defesa da criança ou adolescente – é difícil e doloroso aceitar que pode ser nosso o erro, e tendemos a projetar no outro os nossos problemas – a violência pode estar rondando o seu lar e se nos unirmos, escola, família e sociedade, poderão prevenir e reduzir o problema.
Cabe aos pais e responsáveis conversarem com os filhos, perguntarem como foram as aulas, se gosta da escola, se têm amigos e quem são seus amigos, se acontece algum tipo de “brincadeira” que esteja ofendendo algum aluno, se os professores tem falado sobre uma cultura de paz e respeito entre todos.
COMO POSSO PERCEBER QUE MEU FILHO SOFRE BULLYING NA ESCOLA SE ELE NÃO FALAR?Pode ser indicio de que há algo errado se:
Demonstrar falta de vontade de ir à escola.
Sentir-se mal perto da hora de sair de casa - dor de cabeça, dor de estomago, dores nas costas são sintomas psicossomáticos relacionados ao bullying.
Pedir para ser levado ou buscado com freqüência.
Apresentar baixo rendimento escolar – notas baixas.
Chegar machucado ou chorando e não explicar bem o que aconteceu.
Ter seus pertences estragados ou “perdidos”.
Se tornar arredio, sem querer conversar, fechado.
Parecer angustiado, ansioso, deprimido.
Manifestações de baixa autoestima.
Procure conversar com a criança ou jovem, elogie se tiver a atitude de contar o que está atormentando, não o culpe pelo que está acontecendo, apóie-o demonstrando acreditar no seu relato. Procure encontrar junto com ele uma solução. Caso ele rejeitar suas propostas, tente ouvir as dele. Se mesmo assim, houver resistência, buscar ajuda da escola, mas sempre com a ciência da criança ou adolescente.
QUEM SÃO AS VÍTIMAS? Os autores do bullying usam características que sirvam de foco para suas agressões, alguma diferença entre as outras pessoas do grupo, como por exemplo, baixa estatura, obesidade, deficiência física, aspectos sociais, culturais, étnicos e religiosos.
MEU FILHO É O AGRESSOR... O QUE EU FAÇO?Em geral, os pais tem como primeira reação a defesa de seus filhos, negando a autoria, com frases tipo “meu filho não faria uma coisa dessas”. Negar os fatos não resolverá o problema, ao contrário, a situação pode ser agravada. É preciso ter em mente que se seu filho pratica o bullying, muito provavelmente ele também está sofrendo.
Converse com seu filho, saiba que ele está precisando de ajuda, de orientação. Não tente ignorar a situação e fingir que está tudo bem – o problema só estará sendo deixado para mais tarde, sendo cada vez mais difícil e demorada a solução. Procure manter a calma, controlar sua própria agressividade, para ensinar que a violência precisa ser evitada. Intimidar e agredir só o fará acreditar que é com violência que se deve agir.
Ao mostrar que sabe o que está acontecendo, procure demonstrar que o ama, apesar de não aprovar tal comportamento, sempre procurando saber o porquê de estar agindo dessa maneira. Oriente e dê limites que sejam capazes de ajudá-lo a controlar seu comportamento negativo. Encoraje-o a pedir desculpas ao colega que ele agrediu.
O QUE A ESCOLA PODE FAZER?Desde o início das aulas, devem ser avisados os alunos que não será tolerado atitudes que representem agressão ou violência que caracterize bullying. Todos devem se comprometer a avisar a direção, coordenação, professores e funcionários caso presenciem algum fato dessa natureza nas dependências da escola ou em suas imediações.
A promoção de debates, com conversas entre os alunos e professores como mediadores, sobre o que é o bullying e suas conseqüências, sobre o respeito e a amizade, estimulando os jovens a dizerem o que pensam sobre o assunto. Discutam a necessidade de se respeitar as diferenças, da necessidade da escola ser um local onde todos possam se sentir felizes, seguros e respeitados.
Se possível, organizem cartazes e palestras com temas tipo “Paz na escola”, para que a difusão da paz realmente aconteça.
E QUANTO AO CYBERBULLYING?
Cleo Fante, que é especialista em bullying, doutoranda em Ciências da Educação, pesquisa o bullying escolar desde o ano 2000. É coautora, com José Augusto Pedra, do livro “Bullying Escolar – perguntas e respostas” (Editora Artmed) e orienta a:
•Acompanhar a relação de seu filho com a internet, procurando saber por quais sites ele navega e com quem se relaciona nas redes sociais.
•Em vez de instalar o computador no quarto, deixe-o em uma “área pública” da casa, como a sala.
•Demonstre interesse sobre o uso das tecnologias. Converse com seu filho sobre redes sociais e internet.
•Oriente-o sobre os riscos que existem no ambiente digital, como o contato com pessoas que podem estar mal intencionadas. Alerte-o para os cuidados que devem ser tomados com a privacidade. Converse sobre os perigos de postar fotos, dados pessoais.
•Todo o cuidado é pouco com o webcam. Muitos adolescentes se expõem em demasia na frente da câmera do computador, colocando-se em poses sensuais ou até mesmo nus. Explique que essas imagens podem ser remontadas de modo a atacar a reputação da pessoa.
•A vítima de cyberbullying deve reunir todas as provas possíveis dos ataques sofridos, como cópias de e-mails, mensagens SMS, de telas de blogs ou perfis de redes sociais. É importante salvar e imprimir o conteúdo, inclusive bate-papos em comunicadores instantâneos. Para ter validade jurídica, as provas devem ser registradas em cartório e deve-se fazer uma declaração de fé pública, para provar que o crime foi cometido. O passo seguinte é procurar uma delegacia comum ou especializada em crimes cibernéticos e fazer uma queixa-crime.
•Outra medida importante é notificar o provedor do serviço de internet para que o conteúdo ofensivo seja removido.
REFERÊNCIA:LOPES, Aramis A. Neto – “Bullying” comportamento agressivo entre estudantes, presente na apostila Fortalecendo A Rede de Proteção da Criança e do Adolescente, utilizada no curso A Escola que Protege, ministrado pelo Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (LAPREV)
FANTE, Cléo & PEDRA, José Augusto – “Bullying Escolar – perguntas e respostas”, Editora Artmed, 2008.
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